Filosofia: Ensino e Pesquisa

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sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Declaração Universal Sobre Bioética e Direitos Humanos - UNESCO - 2005


DISPOSIÇÕES GERAIS


Artigo 1 – Escopo


a) A Declaração trata das questões éticas relacionadas à medicina, às ciências da vida e às tecnologias associadas quando aplicadas aos seres humanos, levando em conta suas dimensões sociais, legais e ambientais.


b) A presente Declaração é dirigida aos Estados. Quando apropriado e pertinente, ela também oferece orientação para decisões ou práticas de indivíduos, grupos, comunidades, instituições e empresas públicas e privadas.



Artigo 2 – Objetivos


Os objetivos desta Declaração são:


(i) prover uma estrutura universal de princípios e procedimentos para orientar os Estados na formulação de sua legislação, políticas ou outros instrumentos no campo da bioética;


(ii) orientar as ações de indivíduos, grupos, comunidades, instituições e empresas públicas e privadas;


(iii) promover o respeito pela dignidade humana e proteger os direitos humanos, assegurando o respeito pela vida dos seres humanos e pelas liberdades fundamentais, de forma consistente com a legislação internacional de direitos humanos;


(iv) reconhecer a importância da liberdade da pesquisa científica e os benefícios resultantes dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos, evidenciando, ao mesmo tempo, a necessidade de que tais pesquisas e desenvolvimentos ocorram conforme os princípios éticos dispostos nesta Declaração e respeitem a dignidade humana, os direitos humanos e as liberdades fundamentais;


(v) promover o diálogo multidisciplinar e pluralístico sobre questões bioéticas entre todos os interessados e na sociedade como um todo;


(vi) promover o acesso eqüitativo aos desenvolvimentos médicos, científicos e tecnológicos, assim como a maior difusão possível e o rápido compartilhamento de conhecimento relativo a tais desenvolvimentos e a participação nos benefícios, com particular atenção às necessidades de países em desenvolvimento;


(vii) salvaguardar e promover os interesses das gerações presentes e futuras; e


(viii) ressaltar a importância da biodiversidade e sua conservação como uma preocupação comum da humanidade.



PRINCÍPIOS


Conforme a presente Declaração, nas decisões tomadas ou práticas desenvolvidas por aqueles a quem ela é dirigida, devem ser respeitados os princípios a seguir.


Artigo 3 – Dignidade Humana e Direitos Humanos


a) A dignidade humana, os direitos humanos e as liberdades fundamentais devem ser respeitados em sua totalidade.


b) Os interesses e o bem-estar do indivíduo devem ter prioridade sobre o interesse exclusivo da ciência ou da sociedade.



Artigo 4 – Benefício e Dano


Os benefícios diretos e indiretos a pacientes, sujeitos de pesquisa e outros indivíduos afetados devem ser maximizados e qualquer dano possível a tais indivíduos deve ser minimizado, quando se trate da aplicação e do avanço do conhecimento científico, das práticas médicas e tecnologias associadas.



Artigo 5 – Autonomia e Responsabilidade Individual


Deve ser respeitada a autonomia dos indivíduos para tomar decisões, quando possam ser responsáveis por essas decisões e respeitem a autonomia dos demais. Devem ser tomadas medidas especiais para proteger direitos e interesses dos indivíduos não capazes de exercer autonomia.


Artigo 6 – Consentimento


a) Qualquer intervenção médica preventiva, diagnóstica e terapêutica só deve ser realizada com o consentimento prévio, livre e esclarecido do indivíduo envolvido, baseado em informação adequada. O consentimento deve, quando apropriado, ser manifesto e poder ser retirado pelo indivíduo envolvido a qualquer momento e por qualquer razão, sem acarretar desvantagem ou preconceito.


b) A pesquisa científica só deve ser realizada com o prévio, livre, expresso e esclarecido consentimento do indivíduo envolvido. A informação deve ser adequada, fornecida de uma forma compreensível e incluir os procedimentos para a retirada do consentimento. O consentimento pode ser retirado pelo indivíduo envolvido a qualquer hora e por qualquer razão, sem acarretar qualquer desvantagem ou preconceito. Exceções a este princípio somente devem ocorrer quando em conformidade com os padrões éticos e legais adotados pelos Estados, consistentes com as provisões da presente Declaração, particularmente com o Artigo 27 e com os direitos humanos.


c) Em casos específicos de pesquisas desenvolvidas em um grupo de indivíduos ou comunidade, um consentimento adicional dos representantes legais do grupo ou comunidade envolvida pode ser buscado. Em nenhum caso, o consentimento coletivo da comunidade ou o consentimento de um líder da comunidade ou outra autoridade deve substituir o consentimento informado individual.



Artigo 7 – Indivíduos sem a Capacidade para Consentir


Em conformidade com a legislação, proteção especial deve ser dada a indivíduos sem a capacidade para fornecer consentimento:


a) a autorização para pesquisa e prática médica deve ser obtida no melhor interesse do indivíduo envolvido e de acordo com a legislação nacional. Não obstante, o indivíduo afetado deve ser envolvido, na medida do possível, tanto no processo de decisão sobre consentimento assim como sua retirada;


b) a pesquisa só deve ser realizada para o benefício direto à saúde do indivíduo envolvido, estando sujeita à autorização e às condições de proteção prescritas pela legislação e caso não haja nenhuma alternativa de pesquisa de eficácia comparável que possa incluir sujeitos de pesquisa com capacidade para fornecer consentimento. Pesquisas sem potencial benefício direto à saúde só devem ser realizadas excepcionalmente, com a maior restrição, expondo o indivíduo apenas a risco e desconforto mínimos e quando se espera que a pesquisa contribua com o benefício à saúde de outros indivíduos na mesma categoria, sendo sujeitas às condições prescritas por lei e compatíveis com a proteção dos direitos humanos do indivíduo. A recusa de tais indivíduos em participar de pesquisas deve ser respeitada.


Artigo 8 – Respeito pela Vulnerabilidade Humana e pela Integridade Individual


A vulnerabilidade humana deve ser levada em consideração na aplicação e no avanço do conhecimento científico, das práticas médicas e de tecnologias associadas. Indivíduos e grupos de vulnerabilidade específica devem ser protegidos e a integridade individual de cada um deve ser respeitada.


Artigo 9 – Privacidade e Confidencialidade


A privacidade dos indivíduos envolvidos e a confidencialidade de suas informações devem ser respeitadas. Com esforço máximo possível de proteção, tais informações não devem ser usadas ou reveladas para outros propósitos que não aqueles para os quais foram coletadas ou consentidas, em consonância com o direito internacional, em particular com a legislação internacional sobre direitos humanos.


Artigo 10 – Igualdade, Justiça e Eqüidade


A igualdade fundamental entre todos os seres humanos em termos de dignidade e de direitos deve ser respeitada de modo que todos sejam tratados de forma justa e eqüitativa.


Artigo 11 – Não-Discriminação e Não-Estigmatização


Nenhum indivíduo ou grupo deve ser discriminado ou estigmatizado por qualquer razão, o que constitui violação à dignidade humana, aos direitos humanos e liberdades fundamentais.


Artigo 12 – Respeito pela Diversidade Cultural e pelo Pluralismo


A importância da diversidade cultural e do pluralismo deve receber a devida consideração. Todavia, tais considerações não devem ser invocadas para violar a dignidade humana, os direitos humanos e as liberdades fundamentais nem os princípios dispostos nesta Declaração, ou para limitar seu escopo.


Artigo 13 – Solidariedade e Cooperação


A solidariedade entre os seres humanos e cooperação internacional para este fim devem ser estimuladas.


Artigo 14 – Responsabilidade Social e Saúde


a) A promoção da saúde e do desenvolvimento social para a sua população é objetivo central dos governos, partilhado por todos os setores da sociedade.


b) Considerando que usufruir o mais alto padrão de saúde atingível é um dos direitos fundamentais de todo ser humano, sem distinção de raça, religião, convicção política, condição econômica ou social, o progresso da ciência e da tecnologia deve ampliar:

(i) o acesso a cuidados de saúde de qualidade e a medicamentos essenciais, incluindo especialmente aqueles para a saúde de mulheres e crianças, uma vez que a saúde é essencial à vida em si e deve ser considerada como um bem social e humano;

(ii) o acesso a nutrição adequada e água de boa qualidade;

(iii) a melhoria das condições de vida e do meio ambiente;

(iv) a eliminação da marginalização e da exclusão de indivíduos por qualquer que seja o motivo; e

(v) a redução da pobreza e do analfabetismo.


Artigo 15 – Compartilhamento de Benefícios


a) Os benefícios resultantes de qualquer pesquisa científica e suas aplicações devem ser compartilhados com a sociedade como um todo e, no âmbito da comunidade internacional, em especial com países em desenvolvimento. Para dar efeito a esse princípio, os benefícios podem assumir quaisquer das seguintes formas:

(i) ajuda especial e sustentável e reconhecimento aos indivíduos e grupos que tenham participado de uma pesquisa;

(ii) acesso a cuidados de saúde de qualidade;

(iii) oferta de novas modalidades diagnósticas e terapêuticas ou de produtos resultantes da pesquisa;

(iv) apoio a serviços de saúde;

(v) acesso ao conhecimento científico e tecnológico;

(vi) facilidades para geração de capacidade em pesquisa; e

(vii) outras formas de benefício coerentes com os princípios dispostos na presente Declaração.

b) Os benefícios não devem constituir indução inadequada para estimular a participação em pesquisa.


Artigo 16 – Proteção das Gerações Futuras


O impacto das ciências da vida sobre gerações futuras, incluindo sobre sua constituição genética, deve ser devidamente considerado.


Artigo 17 – Proteção do Meio Ambiente, da Biosfera e da Biodiversidade


Devida atenção deve ser dada à inter-relação de seres humanos com outras formas de vida, à importância do acesso e utilização adequada de recursos biológicos e genéticos, ao respeito pelo conhecimento tradicional e ao papel dos seres humanos na proteção do meio ambiente, da biosfera e da biodiversidade.


APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS


Artigo 18 – Tomada de Decisão e o Tratamento de Questões Bioéticas


a) Devem ser promovidos o profissionalismo, a honestidade, a integridade e a transparência na tomada de decisões, em particular na explicitação de todos os conflitos de interesse e no devido compartilhamento do conhecimento. Todo esforço deve ser feito para a utilização do melhor conhecimento científico e metodologia disponíveis no tratamento e constante revisão das questões bioéticas.


b) Os indivíduos e profissionais envolvidos e a sociedade como um todo devem estar incluídos regularmente num processo comum de diálogo.


c) Deve-se promover oportunidades para o debate público pluralista, buscando-se a manifestação de todas as opiniões relevantes.


Artigo 19 – Comitês de Ética


Comitês de ética independentes, multidisciplinares e pluralistas devem ser instituídos, mantidos e apoiados em nível adequado com o fim de:


(i) avaliar questões éticas, legais, científicas e sociais relevantes relacionadas a projetos de pesquisa envolvendo seres humanos;


(ii) prestar aconselhamento sobre problemas éticos em situações

clínicas;


(iii) avaliar os desenvolvimentos científicos e tecnológicos, formular recomendações e contribuir para a elaboração de diretrizes sobre temas inseridos no âmbito da presente Declaração; e


(iv) promover o debate, a educação, a conscientização do público e o engajamento com a bioética.


Artigo 20 – Avaliação e Gerenciamento de Riscos


Deve-se promover a avaliação e o gerenciamento adequado de riscos relacionados à medicina, às ciências da vida e às tecnologias associadas.


Artigo 21 – Práticas Transnacionais


a) Os Estados, as instituições públicas e privadas, e os profissionais associados a atividades transnacionais devem empreender esforços para assegurar que qualquer atividade no escopo da presente Declaração que seja desenvolvida, financiada ou conduzida de algum modo, no todo ou em parte, em diferentes Estados, seja coerente com os princípios da presente Declaração.


b) Quando a pesquisa for empreendida ou conduzida em um ou mais Estados [Estado(s) hospedeiro(s)] e financiada por fonte de outro Estado, tal pesquisa deve ser objeto de um nível adequado de revisão ética no(s) Estado(s) hospedeiro(s) e no Estado no qual o financiador está localizado. Esta revisão deve ser baseada em padrões éticos e legais consistentes com os princípios estabelecidos na presente Declaração.


c) Pesquisa transnacional em saúde deve responder às necessidades dos países hospedeiros e deve ser reconhecida sua importância na contribuição para a redução de problemas de saúde globais urgentes.


d) Na negociação de acordos para pesquisa, devem ser estabelecidos os termos da colaboração e a concordância sobre os benefícios da pesquisa com igual participação de todas as partes na negociação.


e) Os Estados devem tomar medidas adequadas, em níveis nacional e internacional, para combater o bioterrorismo e o tráfico ilícito de órgãos, tecidos, amostras, recursos genéticos e materiais genéticos.


PROMOÇÃO DA DECLARAÇÃO


Artigo 22 – Papel dos Estados


a) Os Estados devem tomar todas as medidas adequadas de caráter legislativo, administrativo ou de qualquer outra natureza, de modo a implementar os princípios estabelecidos na presente Declaração e em conformidade com o direito internacional e com os direitos humanos. Tais medidas devem ser apoiadas por ações nas esferas da educação, formação e informação ao público.


b) Os Estados devem estimular o estabelecimento de comitês de ética independentes, multidisciplinares e pluralistas, conforme o disposto no Artigo 19.


Artigo 23 – Informação, Formação e Educação em Bioética


a) De modo a promover os princípios estabelecidos na presente Declaração e alcançar uma melhor compreensão das implicações éticas dos avanços científicos e tecnológicos, em especial para os jovens, os Estados devem envidar esforços para promover a formação e educação em bioética em todos os níveis, bem como estimular programas de disseminação de informação e conhecimento sobre bioética.


b) Os Estados devem estimular a participação de organizações intergovernamentais, internacionais e regionais e de organizações não-governamentais internacionais, regionais e nacionais neste esforço.


Artigo 24 – Cooperação Internacional


a) Os Estados devem promover a disseminação internacional da informação científica e estimular a livre circulação e o compartilhamento do conhecimento científico e tecnológico.


b) Ao abrigo da cooperação internacional, os Estados devem promover a cooperação cultural e científica e estabelecer acordos bilaterais e multilaterais que possibilitem aos países em desenvolvimento construir capacidade de participação na geração e compartilhamento do conhecimento científico, do know-how relacionado e dos benefícios decorrentes.


c) Os Estados devem respeitar e promover a solidariedade entre Estados, bem como entre indivíduos, famílias, grupos e comunidades, com atenção especial para aqueles tornados vulneráveis por doença ou incapacidade ou por outras condições individuais, sociais ou ambientais e aqueles indivíduos com maior limitação de recursos.


Artigo 25 – Ação de Acompanhamento pela UNESCO


a) A UNESCO promoverá e disseminará os princípios da presente Declaração. Para tanto, a UNESCO buscará apoio e assistência do Comitê Intergovernamental de Bioética (IGBC) e do Comitê Internacional de Bioética (IBC).


b) A UNESCO reafirmará seu compromisso em tratar de bioética e em promover a colaboração entre o IGBC e o IBC.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


Artigo 26 – Inter-relação e Complementaridade dos Princípios


A presente Declaração deve ser considerada em sua totalidade e seus princípios devem ser compreendidos como complementares e inter-relacionados. Cada princípio deve ser interpretado no contexto dos demais, de forma pertinente e adequada a cada circunstância.


Artigo 27 – Limitações à Aplicação dos Princípios


Se a aplicação dos princípios da presente Declaração tiver que ser limitada, tal limitação deve ocorrer em conformidade com a legislação, incluindo a legislação referente aos interesses de segurança pública para a investigação, constatação e acusação por crimes, para a proteção da saúde pública ou para a proteção dos direitos e liberdades de terceiros. Quaisquer dessas legislações devem ser consistentes com a legislação internacional sobre direitos humanos.


Artigo 28 – Recusa a Atos Contrários aos Direitos Humanos, às Liberdades Fundamentais e Dignidade Humana


Nada nesta Declaração pode ser interpretado como podendo ser invocado por qualquer Estado, grupo ou indivíduo, para justificar envolvimento em qualquer atividade ou prática de atos contrários aos direitos humanos, às liberdades fundamentais e à dignidade humana.

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Tradução e revisão final sob a responsabilidade da Cátedra UNESCO de Bioética da Universidade de Brasília (UnB) e da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB).Tradução: Ana Tapajós e Mauro Machado do Prado. Revisão: Volnei Garrafa

Fonte: Nepp-dh

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Urinoterapia



Bebe a água da tua própria cisterna, e das correntes do teu poço. (Provérbios 5:15)

O termo urinoterapia se refere a um dos vários usos da urina para prevenir ou curar doenças, aumentar a beleza ou limpar o interior do organismo. A maioria dos adeptos bebe a porção intermediária de sua urina matinal. Alguns a preferem pura e fumegante, outros a misturam com sucos ou a servem com frutas. Alguns preferem duas gotas misturadas com uma colher de sopa de água, aplicadas sob a língua várias vezes ao dia. (...) Alguns se lavam com o próprio fluido dourado para melhorar a qualidade da pele. Afirma-se que muitas japonesas praticam o banho de urina na atualidade. Os mais ousados a usam como enema. A urina é o elixir favorito de muitos homens santos da Índia, onde o ato de bebê-la é praticado há milhares de anos. A bebida também é o estimulante preferido de um número crescente de naturopatas. A urina sempre está disponível, todos carregam consigo um estoque dela o tempo todo e, para a maioria das pessoas, não há efeitos colaterais tóxicos.

Muitos de seus defensores afirmam que a urina é uma panacéia. Não há praticamente nada que ela não cure. Dizem ser eficaz contra a gripe, o resfriado comum, fraturas, dor de dente, pele ressecada, psoríase e todos os outros problemas da pele. Afirmam que ela detém o envelhecimento e que é útil contra a AIDS, alergias, mordidas de animais e cobras, asma, doenças cardíacas, hipertensão, queimaduras, câncer, intoxicações químicas, catapora, inflamações intestinais, constipação e pneumonia. Dizem ser eficaz contra disenteria, edemas, eczemas, irritações nos olhos, fadiga, febre, gonorréia, gota, sangue na urina, varíola, doenças imunológicas, infecções, infertilidade, calvície, insônia, icterícia, hepatite, sarcoma de Kaposi, lepra, doenças linfáticas, urticária, enjôo matinal, ressaca, obesidade, papilomas, parasitoses, úlcera gástrica, reumatismo, marcas de nascença, derrame, congestão, dores lombares, tifo, gastrite, depressão, herpes, tuberculose, tétano, mal de Parkinson, pé-de-atleta, diabetes e outras doenças endocrinologicamente relacionadas.


Apesar das alegações feitas pelos autores de livros sobre urinoterapia, os indícios científicos que recomendariam que todos passássemos a beber a própria urina são paupérrimos. Segundo os urinófilos, o establishment médico está conspirando para nos manter ignorantes a respeito do remédio milagroso que todos carregamos na bexiga. Um auto-proclamado expert no assunto afirma

  • ...a comunidade médica já está ciente da eficácia espantosa dela [urina] há décadas, e mesmo assim nenhum de nós jamais foi informado sobre isso. Por que? Talvez eles pensem que é muito controvertido. Ou talvez, mais precisamente, não haja nenhuma recompensa monetária por se contar às pessoas o que os cientistas sabem a respeito de um dos elementos de cura natural mais extraordinários do mundo. *

Esse é um argumento comum dos defensores de terapias alternativas: a ganância dos médicos os leva a conspirar contra quiropráticos, terapeutas da quelação, etc.
Além disso, embora seja verdadeiro que alguns dos constituintes da urina estejam sendo usados e tendo seu valor terapêutico real ou potencial testado, não significa que beber a urina de alguém seja terapêutico. Pode ser que se descubra que um dos produtos químicos da urina humana seja eficaz para combater o câncer. No entanto não é provável que beber a própria urina venha a fornecer qualquer substância anti-câncer em quantidade suficiente para trazer qualquer benefício. É também verdadeiro que algumas das substâncias presentes na urina façam bem. Por exemplo, se você estiver ingerindo mais vitamina C (uma vitamina solúvel em água) do que seu corpo precisa ou pode processar, você a excretará na urina. Isso não significa que beber sua urina seja uma boa maneira de se obter vitamina C para o organismo. Uma laranja ou comprimido poderiam ser preferíveis. Entretanto, se seu organismo estiver urinando vitamina C em excesso, caso venha a bebê-la, o seu organismo irá se desfazer dela novamente. A razão pela qual a sua urina contém vitaminas e sais minerais é o seu organismo não ter precisado delas ou não ter conseguido utilizá-las. Reingerir seu excesso de vitaminas e sais minerais é o mesmo que jogar água num copo que já está cheio. Até mesmo a uréia, que pode ser tóxica em dosagens muito altas, está presente em quantidades tão diminutas na urina das pessoas comuns que há muito pouca probabilidade de que alguém se envenene por beber a própria urina.

A origem dessa prática incomum parece estar em determinados rituais religiosos dos hindus, onde é chamada de amaroli nas tradições religiosas tântricas. A tradição tântrica é conhecida por seu desprezo pelo comportamento convencional como forma de estabelecer a superioridade moral de seus praticantes. Também é possível que essa prática esteja relacionada a superstições baseadas na magia simpática. Como a urina é expelida pelo mesmo órgão usado no sexo talvez se pensasse que ao beber a urina a pessoa estivesse ingerindo algum tipo de energizador sexual. De qualquer forma é improvável que os indianos, 4.000 anos atrás, tivessem razões científicas para beber a própria urina.

Outra idéia bem anticientífica que parece ser aceita pelos urinófilos é de que a urina seja na verdade sangue, visto que é o subproduto da filtragem do sangue pelos rins.

Outra alegação enganosa feita pelos urinófilos é que o fluido amniótico não seja nada mais que urina: urina fetal. Se é bom para o feto, deve ser bom para todo mundo. Eis o que a expert em urina Martha Christy tem a dizer sobre o assunto:

  • . . . o líquido amniótico que envolve os bebês humanos no útero é, essencialmente, urina. Na verdade, o bebê "respira" líquido amniótico cheio de urina continuamente e sem esse fluido os pulmões não se desenvolvem. Os médicos também acreditam que a maciez da pele das crianças e a capacidade dos bebês in utero de se curar rapidamente sem cicatrizes após sofrerem cirurgias pré-natais se devem a às propriedades terapêuticas do líquido amniótico rico em urina.

Algumas das substâncias químicas presentes no líquido amniótico não são encontráveis na maioria das amostras de urina. É enganoso, para dizer o mínimo, afirmar que o líquido amniótico é "essencialmente" urina. Seria mais preciso dizer que ambos são essencialmente água. Não sei a que médicos ela se refere, mas a maioria dos pais dirá que quando seus bebês saíram do útero a pele deles não tinha nada de bonita. São comuns as comparações com ameixas secas, assim como a comparação com a pele de uma pessoa que ficou na piscina por muito tempo. A pele do bebê só se torna macia depois de ter ficado fora de seu ambiente líquido por algum tempo. Existe uma razão para isso, segundo Kim Kelly, médica naturopata e enfermeira de Seattle. Recém-nascidos não produzem óleo em suas glândulas sebáceas até várias semanas após o nascimento, razão pela qual freqüentemente parecem ter uma pele seca e escamosa. Em lugar do líquido amniótico contribuir para uma pele macia, segundo Kelly, os bebês no útero são protegidos pelo verniz, substância cremosa que serve de barreira entre o bebê e o líquido amniótico. Assim, a não ser que sua urina seja rica em verniz, é improvável que usá-la como loção para a pele funcione como um umectante.

O que é a urina? A urina é geralmente amarelada ou transparente, dependendo da saúde e da dieta da pessoa. Possui geralmente um odor semelhante ao da amônia, devido aos resíduos nitrogenosos que compõem cerca de 5% do líquido (os 95% restantes são água). É um fluido ligeiramente ácido, que transporta o que foi rejeitado pelo rins para o mundo exterior. Os rins têm milhões de nefrônios que filtram toxinas, rejeitos, água e sais minerais ingeridos, retirando-os da corrente sangüínea. Regulam a acidez do sangue excretando sais alcalinos excedentes, se necessário. O principal componente dos rejeitos nitrogenosos da urina é a uréia, produto da decomposição de proteínas. A uréia é, entre outras coisas, um diurético. Um adulto médio produz de um a dois litros de urina por dia. A bexiga, onde a urina é armazenada para descarga, tem uma capacidade média de cerca de 450-550g de líquido, embora a micção média seja aproximadamente a metade disso. Além do ácido úrico, amônia e creatina, a urina consiste em muitos outros rejeitos em quantidades diminutas.

O fato de ser um rejeito não quer dizer que uma substância seja tóxica ou nociva. Significa que o organismo não pode absorvê-la no momento. Poderíamos pensar em cada um dos componentes da urina como se fossem sobras de uma refeição. Poderíamos jogar fora o excesso de comida ou comê-lo mais tarde, após diluir bem com água e bater no liqüidificador. Com a urina, infelizmente, não podemos ingerir os rejeitos na forma que eles tinham quando foram ingeridos inicialmente.

Para a maioria das pessoas, na maior parte do tempo, não é provável que a própria urina seja prejudicial. No entanto, também não é provável que ela seja saudável ou útil, a não ser naquelas ocasiões raras em que uma pessoa fica soterrada sob um prédio ou perdida no mar por uma semana ou duas. Nessas situações, beber a própria urina pode ser a diferença entre a vida e a morte. Como um tônico diário, porém, há maneiras muito mais saborosas de se introduzir produtos benéficos à saúde na corrente sangüínea.

Além disso, infelizmente nem todos podem simplesmente aderir e começar a beber a própria urina sem efeitos colaterais negativos. A Associação Chinesa de Urinoterapia adverte que

  • Sintomas comuns incluem diarréia, coceira, dor, fadiga, dores nos ombros, febre, etc. Esses sintomas surgem mais freqüentemente em pacientes que sofrem de doenças mais sérias ou de longa data, e podem se repetir várias vezes. Cada episódio pode durar de 3 a 7 dias, mas às vezes podem durar um mês, ou até piorar em 6 meses. É uma pena que muitos abandonem a urinoterapia em virtude desses maus episódios. A reação de recuperação é como a escuridão que precede o nascer do sol. Se a pessoa persiste e supera as dificuldades, pode apreciar a felicidade final de uma vida saudável.

Essas mesmas pessoas aconselham que "Todos os tipos de inflamação de garganta podem melhorar fazendo-se gargarejos com urina, à qual foi acrescentado um pouco de açãfrão" e "beber 30g de urina . . . é mais benéfico para a média das pessoas que um centro médico multibilionário com equipe médica completa." Não fui capaz de encontrar os indícios que eles teriam para comprovar essas afirmações. Talvez tenham sido apresentadas na Primeira Conferência Mundial Sobre Urinoterapia, que teve lugar na Índia em fevereiro de 1996. Ou talvez tenham aparecido em 1998 durante a Segunda Conferência Mundial Sobre Urinoterapia, realizada na Alemanha.

Por que terapias alternativas como a urinoterapia se tornam populares? Provavelmente, a principal razão é que elas parecem funcionar. Para qualquer terapia alternativa popular sempre irá existir um bom número de testemunhos de pessoas que sabem que ela funciona. Elas sabem disso porque a experimentaram e ela as "curou" ou trouxe "melhora" para alguma doença. Não adianta muito argumentar com os crentes que a maioria dos seus males se curaria espontaneamente e passaria, mesmo se não fizessem nada para se tratar. A dor de dente ou espinhas faciais de uma pessoa podem desaparecido após ela ter bebido um copo de seu fluido dourado, mas isso não é indício forte de que tenha havido qualquer conexão causal entre dois eventos. (Veja a falácia post hoc.) Da mesma forma, não é provável que se possa dissuadir um crente observando que muitas doenças melhoram por razões desconhecidas, e que só porque a remissão aconteceu após se beber a urina por um mês não significa que exista alguma conexão causal. E é desperdício de saliva tentar fazer crentes considerarem a possibilidade de que tenham recebido de seu terapeuta alternativo um diagnóstico incorreto desde o início. Assim, nunca foram curados porque nunca houve nada errado com eles.

Provavelmente o motivo mais comum para a "eficácia" das terapias alternativas é o efeito placebo. Muitas doenças têm um componente comportamental, freqüentemente ligado à avaliação subjetiva da dor da pessoa. A crença afeta o comportamento e o comportamento afeta o organismo. Assim, se uma pessoa acredita numa terapia, é freqüente que ela se sinta melhor, pense que se sente melhor e aja como se estivesse melhor, embora não haja nenhuma prova objetiva, como exames de urina ou sangue, raios-x, etc., que provariam que a pessoa melhorou. Além disso, agir de maneira saudável poderia causar melhoras objetivas e mensuráveis. Neste caso, seria equivocado dizer que a terapia foi inútil. No entanto, não foi bem a terapia que levou à melhora, mas a crença na terapia. Alguém poderia dizer: que diferença faz, já que cura é cura? Poderia fazer toda a diferença do mundo. Em primeiro lugar, pode não ter havido uma cura afinal. O simples fato de que o humor de uma pessoa tenha melhorado não quer dizer que ela tenha sido curada. Em segundo lugar, poderia haver uma terapia melhor, que a pessoa está evitando por usar a "alternativa". Em terceiro, o alívio pode ser temporário, quando uma melhor terapia poderia gerar um alívio permanente ou de longa duração. Em quarto lugar, para os que não se beneficiam com a terapia alternativa poderiam haver graves conseqüências, que poderiam ter sido evitadas caso tivessem sido adequadamente tratados desde o início.

Por fim, muitas das pessoas que usam terapias "alternativas" as usam em conjunto com a medicina científica tradicional. Dão os créditos à terapia "alternativa" se melhorarem, e culpam a medicina tradicional em caso contrário.