Artigo 1 – Escopo
a) A Declaração
trata das questões éticas relacionadas
à medicina, às ciências da
vida e às tecnologias associadas quando
aplicadas aos seres humanos, levando em conta
suas dimensões sociais, legais e ambientais.
b) A presente Declaração
é dirigida aos Estados. Quando apropriado
e pertinente, ela também oferece orientação
para decisões ou práticas de indivíduos,
grupos, comunidades, instituições
e empresas públicas e privadas.
Artigo 2 – Objetivos
Os objetivos desta Declaração
são:
(i) prover uma estrutura universal
de princípios e procedimentos para orientar
os Estados na formulação de sua
legislação, políticas ou
outros instrumentos no campo da bioética;
(ii) orientar as ações
de indivíduos, grupos, comunidades, instituições
e empresas públicas e privadas;
(iii) promover o respeito pela
dignidade humana e proteger os direitos humanos,
assegurando o respeito pela vida dos seres humanos
e pelas liberdades fundamentais, de forma consistente
com a legislação internacional de
direitos humanos;
(iv) reconhecer a importância
da liberdade da pesquisa científica e os
benefícios resultantes dos desenvolvimentos
científicos e tecnológicos, evidenciando,
ao mesmo tempo, a necessidade de que tais pesquisas
e desenvolvimentos ocorram conforme os princípios
éticos dispostos nesta Declaração
e respeitem a dignidade humana, os direitos humanos
e as liberdades fundamentais;
(v) promover o diálogo
multidisciplinar e pluralístico sobre questões
bioéticas entre todos os interessados e
na sociedade como um todo;
(vi) promover o acesso eqüitativo
aos desenvolvimentos médicos, científicos
e tecnológicos, assim como a maior difusão
possível e o rápido compartilhamento
de conhecimento relativo a tais desenvolvimentos
e a participação nos benefícios,
com particular atenção às
necessidades de países em desenvolvimento;
(vii) salvaguardar e promover
os interesses das gerações presentes
e futuras; e
(viii) ressaltar a importância
da biodiversidade e sua conservação
como uma preocupação comum da humanidade.
PRINCÍPIOS
Conforme a presente Declaração,
nas decisões tomadas ou práticas
desenvolvidas por aqueles a quem ela é
dirigida, devem ser respeitados os princípios
a seguir.
Artigo 3 – Dignidade Humana
e Direitos Humanos
a) A dignidade humana, os direitos
humanos e as liberdades fundamentais devem ser
respeitados em sua totalidade.
b) Os interesses e o bem-estar
do indivíduo devem ter prioridade sobre
o interesse exclusivo da ciência ou da sociedade.
Artigo 4 – Benefício
e Dano
Os benefícios diretos
e indiretos a pacientes, sujeitos de pesquisa
e outros indivíduos afetados devem ser
maximizados e qualquer dano possível a
tais indivíduos deve ser minimizado, quando
se trate da aplicação e do avanço
do conhecimento científico, das práticas
médicas e tecnologias associadas.
Artigo 5 – Autonomia
e Responsabilidade Individual
Deve ser respeitada a autonomia
dos indivíduos para tomar decisões,
quando possam ser responsáveis por essas
decisões e respeitem a autonomia dos demais.
Devem ser tomadas medidas especiais para proteger
direitos e interesses dos indivíduos não
capazes de exercer autonomia.
Artigo 6 – Consentimento
a) Qualquer intervenção
médica preventiva, diagnóstica e
terapêutica só deve ser realizada
com o consentimento prévio, livre e esclarecido
do indivíduo envolvido, baseado em informação
adequada. O consentimento deve, quando apropriado,
ser manifesto e poder ser retirado pelo indivíduo
envolvido a qualquer momento e por qualquer razão,
sem acarretar desvantagem ou preconceito.
b) A pesquisa científica
só deve ser realizada com o prévio,
livre, expresso e esclarecido consentimento do
indivíduo envolvido. A informação
deve ser adequada, fornecida de uma forma compreensível
e incluir os procedimentos para a retirada do
consentimento. O consentimento pode ser retirado
pelo indivíduo envolvido a qualquer hora
e por qualquer razão, sem acarretar qualquer
desvantagem ou preconceito. Exceções
a este princípio somente devem ocorrer
quando em conformidade com os padrões éticos
e legais adotados pelos Estados, consistentes
com as provisões da presente Declaração,
particularmente com o Artigo 27 e com os direitos
humanos.
c) Em casos específicos
de pesquisas desenvolvidas em um grupo de indivíduos
ou comunidade, um consentimento adicional dos
representantes legais do grupo ou comunidade envolvida
pode ser buscado. Em nenhum caso, o consentimento
coletivo da comunidade ou o consentimento de um
líder da comunidade ou outra autoridade
deve substituir o consentimento informado individual.
Artigo 7 – Indivíduos
sem a Capacidade para Consentir
Em conformidade com a legislação,
proteção especial deve ser dada
a indivíduos sem a capacidade para fornecer
consentimento:
a) a autorização
para pesquisa e prática médica deve
ser obtida no melhor interesse do indivíduo
envolvido e de acordo com a legislação
nacional. Não obstante, o indivíduo
afetado deve ser envolvido, na medida do possível,
tanto no processo de decisão sobre consentimento
assim como sua retirada;
b) a pesquisa só deve
ser realizada para o benefício direto à
saúde do indivíduo envolvido, estando
sujeita à autorização e às
condições de proteção
prescritas pela legislação e caso
não haja nenhuma alternativa de pesquisa
de eficácia comparável que possa
incluir sujeitos de pesquisa com capacidade para
fornecer consentimento. Pesquisas sem potencial
benefício direto à saúde
só devem ser realizadas excepcionalmente,
com a maior restrição, expondo o
indivíduo apenas a risco e desconforto
mínimos e quando se espera que a pesquisa
contribua com o benefício à saúde
de outros indivíduos na mesma categoria,
sendo sujeitas às condições
prescritas por lei e compatíveis com a
proteção dos direitos humanos do
indivíduo. A recusa de tais indivíduos
em participar de pesquisas deve ser respeitada.
Artigo 8 – Respeito
pela Vulnerabilidade Humana e pela Integridade
Individual
A vulnerabilidade humana deve
ser levada em consideração na aplicação
e no avanço do conhecimento científico,
das práticas médicas e de tecnologias
associadas. Indivíduos e grupos de vulnerabilidade
específica devem ser protegidos e a integridade
individual de cada um deve ser respeitada.
Artigo 9 – Privacidade
e Confidencialidade
A privacidade dos indivíduos
envolvidos e a confidencialidade de suas informações
devem ser respeitadas. Com esforço máximo
possível de proteção, tais
informações não devem ser
usadas ou reveladas para outros propósitos
que não aqueles para os quais foram coletadas
ou consentidas, em consonância com o direito
internacional, em particular com a legislação
internacional sobre direitos humanos.
Artigo 10 – Igualdade,
Justiça e Eqüidade
A igualdade fundamental entre
todos os seres humanos em termos de dignidade
e de direitos deve ser respeitada de modo que
todos sejam tratados de forma justa e eqüitativa.
Artigo 11 – Não-Discriminação
e Não-Estigmatização
Nenhum indivíduo ou grupo
deve ser discriminado ou estigmatizado por qualquer
razão, o que constitui violação
à dignidade humana, aos direitos humanos
e liberdades fundamentais.
Artigo 12 – Respeito
pela Diversidade Cultural e pelo Pluralismo
A importância da diversidade
cultural e do pluralismo deve receber a devida
consideração. Todavia, tais considerações
não devem ser invocadas para violar a dignidade
humana, os direitos humanos e as liberdades fundamentais
nem os princípios dispostos nesta Declaração,
ou para limitar seu escopo.
Artigo 13 – Solidariedade
e Cooperação
A solidariedade entre os seres
humanos e cooperação internacional
para este fim devem ser estimuladas.
Artigo 14 – Responsabilidade
Social e Saúde
a) A promoção da
saúde e do desenvolvimento social para
a sua população é objetivo
central dos governos, partilhado por todos os
setores da sociedade.
b) Considerando que usufruir
o mais alto padrão de saúde atingível
é um dos direitos fundamentais de todo
ser humano, sem distinção de raça,
religião, convicção política,
condição econômica ou social,
o progresso da ciência e da tecnologia deve
ampliar:
(i) o acesso a cuidados de saúde
de qualidade e a medicamentos essenciais, incluindo
especialmente aqueles para a saúde de mulheres
e crianças, uma vez que a saúde
é essencial à vida em si e deve
ser considerada como um bem social e humano;
(ii) o acesso a nutrição
adequada e água de boa qualidade;
(iii) a melhoria das condições
de vida e do meio ambiente;
(iv) a eliminação
da marginalização e da exclusão
de indivíduos por qualquer que seja o motivo;
e
(v) a redução da
pobreza e do analfabetismo.
Artigo 15 – Compartilhamento
de Benefícios
a) Os benefícios resultantes
de qualquer pesquisa científica e suas
aplicações devem ser compartilhados
com a sociedade como um todo e, no âmbito
da comunidade internacional, em especial com países
em desenvolvimento. Para dar efeito a esse princípio,
os benefícios podem assumir quaisquer das
seguintes formas:
(i) ajuda especial e sustentável
e reconhecimento aos indivíduos e grupos
que tenham participado de uma pesquisa;
(ii) acesso a cuidados de saúde
de qualidade;
(iii) oferta de novas modalidades
diagnósticas e terapêuticas ou de
produtos resultantes da pesquisa;
(iv) apoio a serviços
de saúde;
(v) acesso ao conhecimento científico
e tecnológico;
(vi) facilidades para geração
de capacidade em pesquisa; e
(vii) outras formas de benefício
coerentes com os princípios dispostos na
presente Declaração.
b) Os benefícios não
devem constituir indução inadequada
para estimular a participação em
pesquisa.
Artigo 16 – Proteção
das Gerações Futuras
O impacto das ciências da
vida sobre gerações futuras, incluindo
sobre sua constituição genética,
deve ser devidamente considerado.
Artigo 17 – Proteção
do Meio Ambiente, da Biosfera e da Biodiversidade
Devida atenção
deve ser dada à inter-relação
de seres humanos com outras formas de vida, à
importância do acesso e utilização
adequada de recursos biológicos e genéticos,
ao respeito pelo conhecimento tradicional e ao
papel dos seres humanos na proteção
do meio ambiente, da biosfera e da biodiversidade.
APLICAÇÃO
DOS PRINCÍPIOS
Artigo 18 – Tomada
de Decisão e o Tratamento de Questões
Bioéticas
a) Devem ser promovidos o profissionalismo,
a honestidade, a integridade e a transparência
na tomada de decisões, em particular na
explicitação de todos os conflitos
de interesse e no devido compartilhamento do conhecimento.
Todo esforço deve ser feito para a utilização
do melhor conhecimento científico e metodologia
disponíveis no tratamento e constante revisão
das questões bioéticas.
b) Os indivíduos e profissionais
envolvidos e a sociedade como um todo devem estar
incluídos regularmente num processo comum
de diálogo.
c) Deve-se promover oportunidades
para o debate público pluralista, buscando-se
a manifestação de todas as opiniões
relevantes.
Artigo 19 – Comitês de Ética
Comitês de ética
independentes, multidisciplinares e pluralistas
devem ser instituídos, mantidos e apoiados
em nível adequado com o fim de:
(i) avaliar questões éticas,
legais, científicas e sociais relevantes
relacionadas a projetos de pesquisa envolvendo
seres humanos;
(ii) prestar aconselhamento sobre
problemas éticos em situações
clínicas;
(iii) avaliar os desenvolvimentos
científicos e tecnológicos, formular
recomendações e contribuir para
a elaboração de diretrizes sobre
temas inseridos no âmbito da presente Declaração;
e
(iv) promover o debate, a educação,
a conscientização do público
e o engajamento com a bioética.
Artigo 20 – Avaliação
e Gerenciamento de Riscos
Deve-se promover a avaliação
e o gerenciamento adequado de riscos relacionados
à medicina, às ciências da
vida e às tecnologias associadas.
Artigo 21 – Práticas
Transnacionais
a) Os Estados, as instituições
públicas e privadas, e os profissionais
associados a atividades transnacionais devem empreender
esforços para assegurar que qualquer atividade
no escopo da presente Declaração
que seja desenvolvida, financiada ou conduzida
de algum modo, no todo ou em parte, em diferentes
Estados, seja coerente com os princípios
da presente Declaração.
b) Quando a pesquisa for empreendida ou conduzida em um ou mais Estados [Estado(s) hospedeiro(s)] e financiada por fonte de outro Estado, tal pesquisa deve ser objeto de um nível adequado de revisão ética no(s) Estado(s) hospedeiro(s) e no Estado no qual o financiador está localizado. Esta revisão deve ser baseada em padrões éticos e legais consistentes com os princípios estabelecidos na presente Declaração.
c) Pesquisa transnacional em
saúde deve responder às necessidades
dos países hospedeiros e deve ser reconhecida
sua importância na contribuição
para a redução de problemas de saúde
globais urgentes.
d) Na negociação
de acordos para pesquisa, devem ser estabelecidos
os termos da colaboração e a concordância
sobre os benefícios da pesquisa com igual
participação de todas as partes
na negociação.
e) Os Estados devem tomar medidas
adequadas, em níveis nacional e internacional,
para combater o bioterrorismo e o tráfico
ilícito de órgãos, tecidos,
amostras, recursos genéticos e materiais
genéticos.
PROMOÇÃO
DA DECLARAÇÃO
Artigo 22 – Papel
dos Estados
a) Os Estados devem tomar todas
as medidas adequadas de caráter legislativo,
administrativo ou de qualquer outra natureza,
de modo a implementar os princípios estabelecidos
na presente Declaração e em conformidade
com o direito internacional e com os direitos
humanos. Tais medidas devem ser apoiadas por ações
nas esferas da educação, formação
e informação ao público.
b) Os Estados devem estimular
o estabelecimento de comitês de ética
independentes, multidisciplinares e pluralistas,
conforme o disposto no Artigo 19.
Artigo 23 – Informação,
Formação e Educação
em Bioética
a) De modo a promover os princípios
estabelecidos na presente Declaração
e alcançar uma melhor compreensão
das implicações éticas dos
avanços científicos e tecnológicos,
em especial para os jovens, os Estados devem envidar
esforços para promover a formação
e educação em bioética em
todos os níveis, bem como estimular programas
de disseminação de informação
e conhecimento sobre bioética.
b) Os Estados devem estimular
a participação de organizações
intergovernamentais, internacionais e regionais
e de organizações não-governamentais
internacionais, regionais e nacionais neste esforço.
Artigo 24 – Cooperação
Internacional
a) Os Estados devem promover
a disseminação internacional da
informação científica e estimular
a livre circulação e o compartilhamento
do conhecimento científico e tecnológico.
b) Ao abrigo da cooperação
internacional, os Estados devem promover a cooperação
cultural e científica e estabelecer acordos
bilaterais e multilaterais que possibilitem aos
países em desenvolvimento construir capacidade
de participação na geração
e compartilhamento do conhecimento científico,
do know-how relacionado e dos benefícios
decorrentes.
c) Os Estados devem respeitar
e promover a solidariedade entre Estados, bem
como entre indivíduos, famílias,
grupos e comunidades, com atenção
especial para aqueles tornados vulneráveis
por doença ou incapacidade ou por outras
condições individuais, sociais ou
ambientais e aqueles indivíduos com maior
limitação de recursos.
Artigo 25 – Ação
de Acompanhamento pela UNESCO
a) A UNESCO promoverá
e disseminará os princípios da presente
Declaração. Para tanto, a UNESCO
buscará apoio e assistência do Comitê
Intergovernamental de Bioética (IGBC) e
do Comitê Internacional de Bioética
(IBC).
b) A UNESCO reafirmará
seu compromisso em tratar de bioética e
em promover a colaboração entre
o IGBC e o IBC.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Artigo 26 – Inter-relação
e Complementaridade dos Princípios
A presente Declaração
deve ser considerada em sua totalidade e seus
princípios devem ser compreendidos como
complementares e inter-relacionados. Cada princípio
deve ser interpretado no contexto dos demais,
de forma pertinente e adequada a cada circunstância.
Artigo 27 – Limitações
à Aplicação dos Princípios
Se a aplicação
dos princípios da presente Declaração
tiver que ser limitada, tal limitação
deve ocorrer em conformidade com a legislação,
incluindo a legislação referente
aos interesses de segurança pública
para a investigação, constatação
e acusação por crimes, para a proteção
da saúde pública ou para a proteção
dos direitos e liberdades de terceiros. Quaisquer
dessas legislações devem ser consistentes
com a legislação internacional sobre
direitos humanos.
Artigo 28 – Recusa
a Atos Contrários aos Direitos Humanos,
às Liberdades Fundamentais e Dignidade
Humana
Nada nesta Declaração
pode ser interpretado como podendo ser invocado
por qualquer Estado, grupo ou indivíduo,
para justificar envolvimento em qualquer atividade
ou prática de atos contrários aos
direitos humanos, às liberdades fundamentais
e à dignidade humana.
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Tradução
e revisão final sob a responsabilidade
da Cátedra UNESCO de Bioética da
Universidade de Brasília (UnB) e da Sociedade
Brasileira de Bioética (SBB).Tradução:
Ana Tapajós e Mauro Machado do Prado. Revisão:
Volnei Garrafa
Fonte: Nepp-dh
Um passo muito importante, para garantirmos a dignidade do ser humano: quanto maior a vulnerabilidade maior deve ser o cuidado.
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