Antonio
Ferreira Marques Neto
Introdução
Michel
Foucault, pensador e epistemólogo francês, na sua obra “Vigiar e Punir”,
publicada em 1975, nos possibilita compreender um pouco mais a evolução
histórica do Sistema Penal francês em particular e europeu e ocidental em
geral. Foucault fez a análise e denúncia da história e de seu tempo, limitado
pelo material que pesquisou e pela vida que teve, assim como todos nós.
Hoje
no Brasil, como é tratada a criminalidade? Quais são seus índices? Visamos
sustentar a afirmação, com dados e argumentos, de que o sistema penal brasileiro não é a expressão do
interesse geral. A razão que orienta seu funcionamento não pode ser
universalizada, por reduzir a complexidade e não incluir a totalidade dos
interesses. No estado de arte atual do conflito de intereses da sociedade
brasileira pode se constatar seletividade,
guardado as devidas proporções, na criminalização, na vitimização e a na policização.
As classes dominantes impõem as classes subalternas uma guerra fraticida.
O
Sistema Penal Brasileiro
A
criminalização é o resultado de processos de definição e seleção que escolhem
determinados indivíduos aos quais se atribui status de criminoso. Esses processos se realizam por três fases
distintas: a criminalização primária (criação dos tipos penais), a
criminalização secundária (atuação da Polícia, Ministério Público e Poder
Judiciário) e, por fim, a criminalização terciária (ingresso de indivíduos no
sistema prisional). A
criminalidade, do ponto de vista das definições legais, se manifesta em todos
os estratos sociais, mas a incriminação não é igualitária. Estudos sobre a
cifra oculta (a diferença entre a criminalidade real e a criminalidade
aparente) e a criminalidade de colarinho branco (aquela praticada por pessoas
pertencentes aos mais altos estratos sociais, quando em exercício de atividades
econômicas empresariais, políticas e ambientais) revelaram que a prática de
delitos é mais comum do que afirmam as estatísticas oficiais. Criminaliza-se
certas pessoas e não ações legalmente definidas como crime. Os grupos poderosos
impõem ao sistema uma imunidade que os torna quase que totalmente impunes. Os
pobres não tem uma maior tendência para delinquir, mas tem maiores chances de
serem criminalizados e etiquetados como criminosos. Os bens negativos
(etiquetamento e encarceramento) são distribuídos na razão inversa da distribuição
de bens positivos (o status social, fama,
patrimônio, privilégios, etc.). Os desvios praticados por pessoas de alto status
sócio-econômico raramente são perseguidos. O
sistema penal atua, deste modo, em forma de funil, no qual há uma larga base que representa
o conjunto de desvios e uma pequena ponta que representa a parcela da população
que recebe a etiqueta de criminoso. A cada etapa do processo de criminalização,
recruta alguns e deixa outros de fora. A cada
fase de criminalização, acionam-se mecanismos de seleção que propiciam que
determinadas pessoas sejam protegidas do processo de criminalização enquanto
outras têm maiores chances de chegar ao seu último nível, que é o
encarceramento. A criminalização e especialmente o
encarceramento, bens negativos, recaem sobre as classes sociais mais pobres e
sobre as etnias sobre as quais pesa preconceito racial, enquanto os estratos
sociais mais favorecidos da sociedade são imunizados a esse processo. A investigação de crimes contra
o sistema financeiro nacional é morosa e desaparelhada. O tempo médio gasto com
a apuração desses delitos é de grande e o número de peritos com conhecimento
profundo do mercado financeiro é pequeno, decorrendo em alto índice de
arquivamento de inquéritos e de rejeição de denúncia. Já na criminalização do
furto, a grande maioria das investigações se resume ao auto de prisão em
flagrante. (BARRETO,
2007, p.72-103).
Neste sentido, o sistema penal
brasileiro, não é um sistema de proteção de direitos humanos, mas sim um
sistema que está estruturado para a violação sistemática dos direitos humanos.
Ele pode ser definido como um conjunto de práticas seletivas de controle,
criminalização, dominação e extermínio da população pobre, negra e indígena.
Este sistema causa sofrimento e custa vidas humanas. Ele funciona para a manutenção do status
quo. Ele está baseado em uma falsa
causalidade social, opera
em um ritmo extremamente reduzido onde não deveria operar, reproduz
estereótipos criminais e estigmas, contribui para a reprodução e reforço das desigualdades sociais, , opera com
níveis altos e intoleráveis de violência oficial e extra-oficial, funcionando, deste modo, com uma eficácia invertida, violando
princípios que deveria proteger. (Andrade, Vera Regina Pereira de, 2007 apud
BARRETO, 2007, p.13-14)
O sistema criminal brasileiro é um
sistema de escassa eficácia, com graves efeitos negativos, degrada um grande
número de pessoas (tanto aquelas que sofrem a violência quanto aquelas que a
exercem), é uma constante ameaça aos âmbitos sociais de auto-realização; permite
um ilimitado crescimento do poder de vigilância sobre toda a população e fomenta
e condiciona atividades ilícitas. (ZAFFARONI et alii, 2006, p.74 - 76)
A lei e a maneira de
aplicá-la servem aos interesses de uma classe. Uma categoria social encarregada
da ordem sanciona outra fadada à desordem. A lei é feita por alguns e se aplica
a outros. Em princípio ela obriga a todos os cidadãos, mas na prática se dirige
principalmente às classes mais numerosas e menos esclarecidas e não a todos da
mesma forma. Toda a liturgia punitiva da pobreza, toda a gestão diferencial das
ilegalidades por intermédio da penalidade faz partes de mecanismos de dominação.
(FOUCAULT, 2011, p.258 e 261)
Perfil
Predominante da Clientela do Sistema Penal Brasileiro
A seletividade do sistema penal
brasileiro pode ser constatada, entre outros modos, pelo perfil predominante de
sua clientela. Em
2004, havia quase meio milhão de pessoas, encarceradas em cerca de 1.500
instituições no país. A grande maioria dos prisonizados o são, não por serem autores
de fatos graves tais como homicídios, estupros, etc mas por delitos grosseiros
e até insignificantes. São em geral pessoas com menos privilégio e, portanto mais
vulneráveis. São pessoas pobres, de
baixa renda, desempoderados, pertencentes aos mais baixos estratos sociais, uma posição social desvantajosa. Suas características pessoais se enquadram nos
estereótipos criminais: como
cor da pele, origem étnica, corte de cabelo, estilo de vestuário, etc . São predominantemente homens (80%), jovens
(60% até 29 anos), negros, desempregados, possuem pouca educação
(possuem escolaridade primária embora oito
anos escolares sejam garantidos constitucionalmente), suas ações
ilícitas são de fácil detecção (alto
índice de flagrante), cometidos com fins lucrativos (delitos contra a pequena propriedade
- bens de pequeno valor) e o pequeno tráfico de drogas, ou seja, a obra tosca
da criminalidade), possuem maior tendência a confessar, possuem alto índice de
reincidência e na reincidência se é mais severamente
punido e não
possuem condições de contratar advogado particular (os réus que constituem advogado particular saem mais
cedo da prisão se comparados aos que foram patrocinados pela defesa pública). (BARRETO,
2007, p.77 – 101; Mir,
2004 apud Primeiro Encontro Popular Pela Vida e por um outro Modelo de
Segurança Pública); ZAFFARONI
et alii, 2006, p. 47).
A Polícia
A polícia é a primeira instância da criminalização secundária, e a
agência que atua com maior discricionariedade. Ela é a principal responsável pela identificação (seleção) dos
sujeitos que irão ingressar no controle formal. Na prática, em geral, a polícia
desobedece às normas e age orientada por moralismos e ideologias. Seu controle
verticalizado-militarizado é exercido de um modo tão arbitrário quanto
desregrado e que lhes proporciona um poder muitíssimo maior, punitivo,
subterrâneo, paralelo e enormemente mais significativo do que o legalmente atribuído
à elas. São suas práticas recorrentes a detenção arbitrária de suspeitos, sob o
argumento de prevenir e vigiar para a segurança ou investigação e conforme
relatório preliminar de Philip Alston, relator da ONU para execuções sumárias e
extra-judiciais apresentado àquela organização em maio de 2009, no Brasil, os
policiais matam em e fora de serviço porém, pouca ou nenhuma investigação é
feita a respeito, já que quase tudo se justifica a partir dos autos de
resistência, isto é, suposta morte em confronto. A maioria dos casos são
classificados como situação de "resistência seguida de morte" e a
investigação se concentra no histórico de vida do morto. Estes profissionais,
no Brasil, estão a serviço das lutas competitivas das classes
hegemônicas. (Zaffaroni, 2001, p. 150-151 apud
BARRETO, 2007, p.110 e ZAFFARONI
et alii, 2006, p.52)
Por outro lado, a
polícia é obrigada a assumir atitudes antipáticas, a sofrer isolamento e
desprezo, a sobrecarregar-se de um estereótipo estigmatizante, a submeter-se a
uma ordem militarizada e inumana, a correr consideráveis riscos de vida e a
correr maiores riscos de criminalização que todos os demais operadores do
sistema penal. Não somente a criminalização e a vitimização são seletivas como
também, guardado as devidas proporções, a policização. Este também é um
processo de assimilação institucional violador dos direitos humanos e que recai
preferentemente sobre homens jovens das camadas pobres da população,
vulneráveis a tal seletividade na razão direta dos índices de desemprego. Se
considerarmos que os criminalizados, os vitimizados e os policizados (ou seja,
todos aqueles que sofrem as consequências desta guerra) são selecionados nos
estratos sociais inferiores, cabe reconhecer que o exercício do poder estimula
e reproduz antagonismos entre as pessoas desses estratos mais frágeis,
induzidas, a rigor, a uma auto-destruição. (ZAFFARONI et alii, 2006, p.57 -58)
O
Cárcere
A prisão faz o mal
que deveria combater. A prisão, o cárcere, o presídio, a cadeia encerra
múltiplas formas de violência. Nesses locais, degradados e degradantes, se
mantêm, se fabrica e se reproduz, direta e indiretamente, com eficácia, no seu
interior e na população, aquilo a que se deve opor: morte, ferimento, violência
física, violência psíquica, fome, frio, privações, superlotação. A gestão do
Estado, em específico do seu sistema penal, induz à reincidência, transforma o
infrator ocasional em delinquente, consolida uma carreira criminal, perpetua relações
sociais de desigualdade. (Baratta, 1991 (a), p. 89 e 116 apud ANDRADE, 1996,
p.282 e FOUCAULT, 2011, p.241-263)
O seu funcionamento
se desenrola no sentido do abuso de poder arbitrário da administração.
“...o sentimento de
injustiça que um prisioneiro experimenta é uma das causas que mais podem tornar
indomável seu caráter. Quando se vê assim exposto a sofrimentos que a lei não
ordenou nem mesmo previu, ele entra num estado habitual de cólera contra tudo o
que o cerca; só vê carrascos em todos os agentes da autoridade: não pensa mais
ter sido culpado; acusa a própria justiça.” (Préameneu,
1819 apud FOUCAULT, 2011, p.252)
Quando sai da
cadeia, a estigmatização social exige daquele que cometeu um crime que ele seja
permanentemente um criminoso. (MORIN, 2005, p.117) A impossibilidade de
encontrar trabalho está entre os fatores mais frequentes de reincidência, pois
na qualidade de ex-presidiário se é recusado em quase toda parte. (FOUCAULT,
2011, p.254).
Mas como deveria ser
a cadeia? O que ela deveria possibilitar? A cadeia não deveria ser! Não deveria
ser necessária. Mas elas existem. Então hoje, como deveriam ser na sua
concretude cotidiana? Primeiramente para poucos, limitada aos que estão em óbvia ameaça ao convívio social. No mais deve ser
apenas uma “privação
de liberdade” terapêutica-educacional. Um espaço de educação e instrução geral
e profissional, de esporte e de trabalho que permita a pessoa melhorar. Um
lugar efetivamente corretor, readaptativo, de transformação do comportamento do
indivíduo no sentido de devolvê-los à liberdade, aptos a nela viver, de modo
ético. Visando o bem comum.
O
Judiciário e o Ministério Público
O judiciário e o
ministério público também contribuem para que o sistema de justiça criminal
atue de forma seletiva. Eleger os crimes a serem investigados, escolher as
pessoas que serão abordadas na rua, avaliar provas, dar conteúdo a normas,
fazer o exercício de subsunção entre o fato e a previsão legal, são todos, atos
que revelam a discricionariedade e a atuação seletiva de policiais, promotores
e juízes em conjunto. (BARRETO,
2007, p.76).
No ministério
público a discricionariedade está presente no momento de valorar as provas para
propor a ação penal, bem como as tipificações culturais (second codes)
aparecem quando o ministério público toma decisões como recorrer, pedir a
condenação ou se pronunciar sobre a liberdade do réu. Decisões favoráveis ou
desfavoráveis serão guiadas por tipificações culturais que os juízes têm em
suas mentes, de forma que pessoas que praticaram condutas em circunstâncias
semelhantes podem ser diferentemente sentenciadas. Pesquisas demonstram que a
discricionariedade do juiz funciona sistematicamente em desfavor dos réus de
mais baixo poder econômico-social. São eles que preenchem as listas de
condenação e que sofrem as penas mais drásticas. Inversamente, as elites e
classes médias dificilmente são condenadas e, quando isso ocorre, a pena de
prisão é raramente aplicada. (Baratta, 2002, 176-178 apud BARRETO, 2007, p.78).
O princípio da presunção de inocência e sua violação
na criminalização do furto
No sistema penal brasileiro ocorre
com frequência a violação ao princípio da presunção da inocência, isto, relativo
aos três mecanismos que, em tese, deveriam favorecer a sua observância: o controle
judicial das decisões decorrentes do flagrante, a celeridade procesual e o
respeito ao prazo máximo de prisão provisória.
O princípio da presunção
de inocência é hoje reconhecido como a exigência de que: exista uma jurisdição
penal que obedeça aos postulados da ampla defesa e do contraditório; de que a
dúvida não é suficiente para desconstruir a presunção da inocência do acusado; de
que o ônus da prova deve recair sobre a acusação; e de que o suspeito ou
acusado deve ser tratado como inocente até o trânsito em julgado de sua
condenação e, como consequência, a não admissão ou restrição de imposição de
medidas constritivas da liberdade individual durante o curso do processo.
Há autores que
sustentam a ilegitimidade da prisão provisória em face do princípio da
presunção de inocência. Entretanto, apesar de condenarem o excesso no uso desse
poder e de fazerem projeções para sua extinção, os tratados internacionais de
Direitos Humanos admitem a possibilidade da prisão provisória e, para tanto,
disciplinam o seu uso sob quatro grupos de exigências: a) requisitos
materiais que autorizem a prisão; b) controle judicial da prisão; c) condições materiais do cumprimento
da privação de liberdade; e d) limitação temporal do cumprimento da medida
privativa. Sobre o item a): exige-se que a privação provisória da liberdade
tenha fim processual, ou seja, a prisão provisória apenas pode ser utilizada
para a garantia do processo penal, apenas em casos excepcionais (a regra deve
ser a liberdade ambulatória); deve ser no mínimo proporcional à pena que se
espera, que haja provas de materialidade do crime e de sua autoria e que dure
apenas enquanto seus pressupostos existirem. (BARRETO, 2007, p.32-57)
Apesar disto há altas
taxas de encarceramento provisório. Segundo informa o Ministério da Justiça (2005), em dezembro de 2004
havia 86.766 presos provisórios no sistema prisional brasileiro, que
representavam 33,03% do total de internos. (BARRETO, 2007, p.67).
Em geral, o prazo máximo de prisão
provisória não é respeitado ocorrendo a desproporcionalidade e a antecipação da pena. Independente
da necessidade da prisão, as pessoas permanecem presas por inércia, por dias ou meses, por simples falta de
apreciação judicial que
avalie a necessidade de sua custódia. O funcionamento
dos órgãos judiciais são ideologizados e padecem de inúmeras disfunções burocráticas
como o excesso de formalismo e de papelório e regulamentos desnecessários. (Merton apud Chiavenato, 1993, p. 29-32 apud BARRETO,
2007, p.94);
Quando ocorre excesso de tempo de
prisão provisório, os presos ficam impossibilitados de usufruírem do direito à
progressão de regime e o regime aplicado muitas vezes é menos severo do que a
prisão provisória. A pena privativa de liberdade seria executada em tempo
inferior ao que o réu permaneceu recluso provisoriamente. (BARRETO, 2007, p.60
– 63).
A Mídia
O Brasil apesar de
estar entre as dez maiores economias mundiais tem um dos maiores índices de
desigualdade social e IDH acima do 70º lugar. Aqui há grande concentração de
poder e propriedade. Assim como o poder político-econômico é monopolizado, os
meios de comunicação também o são[1]. A
mídia corporativa também cumpre seu papel na criminalização, etiquetamento e
estigmatização seletiva.
Ela da alta
visibilidade midiática aos atos mais grosseiros cometidos por pessoas sem
acesso positivo à comunicação social. Esse acesso negativo à comunicação social
contribui para criar um esteriótipo no imaginário coletivo e ocultar a
seletividade do sistema penal, pois fixam uma imagem pública do delinqüente com
componentes de classe social, étnicos, etários, de gênero e estéticos e o esteriótipo
acaba sendo o principal critério seletivo da criminalização secundária. As
corporações midiáticas com discursos incoerentes, simplistas e
contraditórios constroem uma compreensão fragmentada e distorcida da realidade,
administram os
medos e induzem ao pânico, fazendo a violência ser reproduzida num círculo
vicioso e sem fim. (ZAFFARONI et alii, 2006, p.45-63)
Quais as causas dos crimes?
Esta pergunta não
parece ter uma resposta simples e muito menos única. Deve se avaliar cada caso,
mas em termos gerais, no Brasil, podemos dizer que a criminalidade, está ligada
à esclerose das estruturas sociais, à reação social ao caráter violento e
injusto da desigualdade social, da marginalização e da subcidadania. O poder
econômico gera violência ao excluir da economia, por meio do desemprego
e do subemprego, grandes porções da população. As condições para crescimento e desenvolvimento para todas
as pessoas estão ausentes, não por escassez real, mas artificial, porque os bens
e recursos são apropriados seletivamente.
Mas mesmo em
sociedades cuja desigualdade é mínima e a situação econômica é favorável para a
grande maioria, ainda assim, mesmo que em bem menos quantidade, há a ocorrência
de crimes. Os motivos pelos quais se pratica crimes podem ser muitos e
possuírem combinações diversas: anomalia, cólera, desejo, enfermidade, delírio,
hereditariedade, impulso, inadaptação, inconsciente, instinto, loucura, maldade,
meio ambiente, necessidade, paixão, perversão, pulsão, reação psicótica, repressão,
temperamento, tendência, vício e vontade livre e consciente...A ênfase pode
estar mais no indivíduo ou mais na sociedade....Seja como for, nossos objetivos
não podem se justificarem eticamente se não forem no sentido de diminuirmos a
dor e o sofrimento no mundo.
Objetivos e Soluções
Vingança não é
justiça. O delito não deve ser retribuído. Porque não é justo aplicar
sofrimento as pessoas e nem é eficaz, pois o castigo não impede a reincidência.
Infligir dor desnecessariamente perpetua relações desumanas. Rebaixar e humilhar
diminui o poder de recuperação das pessoas. Não impediremos as pessoas de
continuarem causando sofrimento fazendo-as sofrer. “Uma primeira conquista de
civilização está em interromper o ciclo da vingança.” (MORIN, 2005, p.125) A solução dos nossos conflitos deve ser humanizada e humanizadora. Que cada um e todos nós, possamos buscar nas nossas
esferas de atuação as alterações possíveis. Precisamos de soluções reais e
eficazes. Isto só é possível pela construção de uma massa crítica capaz de fazer as coisas
funcionarem do melhor jeito que podem funcionar.
Precisamos, neste
sentido, não só impedir o aumento do encarceramento, impedindo a Redução da
Idade de Maioridade Penal, como melhorar o funcionamento deste Sistema e fazer recuar o encarceramento existente.
As soluções e objetivos necessários são muitos. Alguns possíveis:
·
Reduzir a violação à presunção de inocência; reduzir as taxas de
encarceramento provisório; dar celeridade nos atos processuais e obedecer o limite máximo para a
duração da prisão provisória;
·
Avaliar e reavaliar, sempre que
preciso e com perspectiva aberta à inclusão de novas variáveis, as definições
do comportamento criminal produzidas pelas instâncias do sistema (legislação,
dogmática, jurisprudência, polícia e senso comum);
·
Tornar os poderes (Legislativo, Executivo, Judiciário e Ministério
Público) transparentes, acessíveis e submetidos aos intereses emancipatórios da
população;
·
Atacar
as causas da miséria e da pobreza e não os miseráveis e os pobres;
·
Elaborar novas políticas de controle
das situações problemáticas ou socialmente negativas substituindo as formas
violentas e cruéis por práticas restitutivas que reparem a vítima e por
práticas informativas-educacionais e
terapêutico-assistenciais que sirva para todos, vítimas e agressores;
·
Incluir
o furto simples, de coisas de pequeno valor, no rol de crimes de menor
potencial ofensivo, por meio da regulamentação do inciso I do art. 98 da
Constituição Federal de 1988. O parágrafo único do art. 69 da Lei 9.099, de 26
de setembro de 1995, prevê que ao autor de crime de menor potencial ofensivo não
será imposta prisão em flagrante, nem exigido pagamento de fiança, caso ele
assuma o compromisso de comparecer a juízo. Como a prisão decorrente do
flagrante é o principal fator que motiva a prisão provisória, há grandes
chances de que a extensão dessa medida aos réus de furto provocaria mudanças
significativas no quadro prisional brasileiro. (BARRETO, 2007, p.115-122);
·
Reconhecer
que a guerra às drogas tem causado muito mais danos que as próprias drogas,
sendo necessário tratar esta questão como problema de saúde pública e não como
problema de política criminal. Quanto mais danosa uma substância mais motivos a
sociedade tem para que sua produção, comércio e consumo não ocorra nos
subterrâneos, daí a importância de pautar a regulamentação das substâncias ilícitas,
conforme sugere a LEAP: Agentes da Lei contra a Proibição. (KARAM, 2014);
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[1] Para ver dados e estatísticas sobre a mídia
brasileira, sugiro o trabalho realizado no site: http://donosdamidia.com.br
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